Autonomia privada e vinculação aos atos societários não registrados
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu recentemente uma decisão que tem gerado grande repercussão no campo do direito societário. No julgamento do Recurso Especial n.º 2.170.665/DF, o Tribunal reconheceu a validade da exclusão extrajudicial de um sócio, mesmo que fundamentada em um estatuto societário não registrado na junta comercial.
Essa decisão acende o debate sobre o valor jurídico de documentos societários assinados por todos os sócios e a diferença entre seus efeitos dentro da sociedade (entre os sócios) e fora dela (em relação a terceiros).
Logo após a constituição da sociedade, todos os sócios de uma sociedade limitada firmaram um documento denominado “Estatuto”. Nele, além de definirem a natureza e o objeto da sociedade, também estabeleceram deveres dos sócios, regras para participação nos lucros, penalidades e, em especial, a possibilidade de exclusão extrajudicial em caso de falta grave.
Apesar de conter todos os elementos típicos de um contrato social, o documento não chegou a ser registrado na junta comercial. Quando um dos sócios foi excluído com base nas regras ali previstas, contestou a decisão alegando que o contrato social registrado não previa essa forma de exclusão, o que tornaria o ato inválido.
Para o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o “Estatuto” deve ser tratado como um aditamento ao contrato social, e não como um mero pacto parassocial — que, em regra, trata apenas de interesses particulares entre os sócios, e não da estrutura e funcionamento da sociedade. Essa diferença é essencial: o documento impugnado trazia cláusulas típicas do contrato social e foi assinado por todos os sócios com o quórum legal necessário, o que lhe confere plena validade no âmbito interno da sociedade.
O Tribunal ressaltou que, embora o registro seja necessário para tornar o documento oponível a terceiros, entre os sócios o acordo já é vinculante desde que firmado e respeitados os requisitos legais. Isso reforça a ideia de que a vontade consensual dos sócios, quando formalizada adequadamente, tem força vinculante mesmo antes do registro.
A decisão reforça que a forma, embora importante, não pode se sobrepor ao conteúdo e à intenção manifestada pelos sócios. Quando há formalização clara, inequívoca e consensual, os efeitos jurídicos entre os integrantes da sociedade se produzem independentemente de registro.
Esse entendimento protege a boa-fé nas relações societárias e é um precedente relevante para a segurança jurídica dos negócios e a autonomia privada no âmbito societário. O STJ deixa um recado claro: o que foi acordado entre os sócios de forma legítima e consciente deve ser respeitado. O posicionamento representa uma importante diretriz para a gestão de sociedades e para a atuação preventiva dos advogados que as assessoram.